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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Aquela matogrossense tão tarde.

A tarde foi quente la fora e fria dentro daquela sala que eu tentava ensinar alguma coisa em outro idioma, eu via os raios solares baterem no vidro e dizerem adeus. Via as bolinhas de papel e apontadores subirem e descerem na mão daquelas crianças tentando mostrar alguma relação de superioridade fora do julgamento dos meus olhos quando eu traçava as novidades da língua inglesa naquele quadro de vidro, tão límpido quanto a manhã que acontecera.
O relógio logo se verticalizou, aquele tchau que a gente gosta de dar.
Confesso que chega o final do dia neste pedaço no Mato Grosso e o calor toma conta da gente, o sol já não está tão poético mais, ja perdeu sua geometria perfeita, parece ser um daqueles bicho-papões que a mãe diz que ta no armario, agora é ele, o monstro no armário azul, o monstro que brilha e esquenta. A cuia tão bonita na mão daquelas mulheres com água fervente está repugnante, imagino o liquido quente deixando seus corpos mais latentes.
Assim entro na minha casa, um mundo diferente daquele la fora, fresco, límpido, confortável, onde posso sair do Mato Grosso e lembrar daqueles outros lugares que ja morei.



Suor sem tesão é jantar chique sem ovas de esturjão.

Era tarde, tarde quente e solitária, com aquele sol escaldante do norte mato-grossense. O suor vinha da cabeça e parecia fazer curva nos dedos e colar na planta dos pés, sem gotejar, caminhando por cada traço do rosto, como um rio que acaba de estourar na nascente.
Não era a única tarde que era assim, e o desejo dela era não estar ali, sentindo que seu corpo entrava em erupção agoniante, desejava que fosse de tesão, mas era de tédio naquele semi-árido escondido dentro da densa amazônia.
Suplicava pelas noites médias, médias em ocasião e temperatura, abria uma fresta da janela para sentir aquele vento morno tocar o seu corpo, pedia uma cerveja gelada, mas lembrava que naquele bar só tocava música sertaneja.
Havia sete meses que estava reclusa naquele lugar, na convivência de pseudo-sertanejos, de músicas sertanejas da modinha, aquilo não era pra ela, não por não gostar da música, mas por falta da diversidade de cultura que ja tinha vivenciado um dia.
Foi ali que ela descobriu o inferno: calor, suor, tédio, pseudo-sertanejos, sem tesão.


Por Janaina Marques.

O leite berrou, bebi o leiteiro, o sol girou e a água fervendo.

A manhã matogrossense acorda morna, como o leite que o leiteiro deixou na minha porta seguido de um berro de presença. O céu é laranja, o sol aponta no horizonte facilmente por a terra ser plana, aqui neste nortão as árvores são longas, parecem ser empurradas pelos raios amarelo-ouro. Essa cidade parece um equilibrista, está em cima da corda entre o clima úmido amazônico e o clima excessivamente quente e seco do cerrado.
Ao espiar pela janela já posso ver as mulheres se acomodarem na frente das suas casas com suas cadeiras de praia que vêem mar uma vez na vida, elas pegam a cuia ja com a erva preparada e enche de água fervente, passam a cuia pela roda entre as outras como se fosse um ritual. Mas por que essa "sulice" nesse norte do Mato Grosso? Esse lugar é uma réplica cultural e urbana paranaense, catarinense e sul-riograndense numa clareira gigante e crescente como uma vida cresce depois de a fecundação.


por Janaina Marques.