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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Orquídeas

Voltando para casa senti um cheiro de orquídea que me fez encontrar algo em minha memória que não se revelava, o cérebro relutou, aquela agonia que invade a espinha quando a gente quer lembrar e não consegue, aquela rusga entre os neurônios, aquela força, mas veio, veio que veio como se não tivesse feito força nenhuma, é como um avião que se esforça na subida e de repente encontra o equilíbrio e plaina.
Veio a imagem, assim como o passageiro olha pela janela do avião e entre as nuvens vê aquela imensa lagoa que agora mais se parece com uma poça d'água. Via em minha mente uma travessa chamada Nordeste, era a rua onde minha tia mora na cidade de Barra do Garças no Mato Grosso, belamente contornada pelo Rio Garças e pelo Rio Araguaia que delimitam a estreita fronteira com o estado de Goiás. Foi naquela casa que fecundei minha adolescência juntamente com minha prima que era cinco dias mais nova e seu presente amigo de longa data que fez-se meu amigo também de infância três meses mais novo que nós.
Mas por que o cheiro de orquídea me fizera relembrar esse lugar? Minha tia costumava encher de orquídeas um tronco de coqueiro e essas quando desabrochavam pela noite incendiavam o ambiente com um odor agradabilíssimo. Foi nessas noites regadas desse cheiro maravilhoso que eu vesti o primeiro salto, passei a primeira maquiagem, usei os primeiros brincos exagerados me aprontando ansiosamente para sair com a minha prima, o amigo e os demais colegas, a princípio era uma coca-cola, um x-bacon, alguns flertes com os adolescentes que passavam que rolavam nessas saídas, meia-noite em ponto estávamos em casa rindo de situações corriqueiras que haviam acontecido que pra gente eram grandes acontecimentos (um selinho, um olhar, uma pegada de mão ou ter visto alguém fazer tudo isso) embarcávamos no segundo round da comilança, atacávamos os doces da geladeira e íamos os três para o computador, escrever bobagens no messenger, postar algumas tolices no fotolog e depois, cama.
Acordávamos na hora do almoço (pausa, eu sempre acordei mais cedo), comíamos e íamos para a internet assim como fazíamos na madrugada, depois disso inventávamos uma comida e no fim do dia cada um partia para sua casa, pois afinal o dia seguinte seria segunda-feira.
Vivíamos grudados, todos os dias na escola, todas as tardes juntos, ora no curso de inglês, ora na padaria, me impressiona como comíamos naquela época e naturalmente hoje sinto todos os efeitos dessas exacerbações gastronômicas.
Tais heresias alimentares cessaram parcialmente quando descobrimos a bebida alcoólica, pelo menos não comíamos na rua, enchíamos a cara e assim chegávamos em casa e comíamos, nessa época já não havia controle de horário e também foi uma época que gastávamos pouco com a nossa bebida para nos tirar das perfeitas faculdades mentais, éramos fracos ainda, uma ice e bingo, todos alegres.
A partir dessa época descobri os homens, até então tinha sido os meninos, até ali nada passava do beijo na boca, mas enfim descobri o que era homem, o que era sexo, o que era aquele volume quando eu os beijava. Perder a virgindade foi uma loucura, eram cinco minutos que duravam uma hora, foi assunto para meses com a minha prima e meu amigo, a gente se encabulava ao tocar nele.
O tempo passou e o sexo ficou tão corriqueiro quanto a bebida, assim como bebida e saída eram diretamente proporcionais, homem e sexo estava seguindo a mesma lógica. Quebrei muito a cara, fui muito feliz, planejei, me decepcionei, às vezes estava nem aí, às vezes queria casar, às vezes queria foder e eles estavam ali, eles que até agora não revelei, mas quem me conhece sabem bem quem são: Ícaro e Lara, estavam sempre presentes nesses acontecimentos.
E todas essas andanças, histórias e descobertas tinham como fim o retorno pra casa da Lara (a prima), culminando com o cheiro das orquídeas, essas sim foram platéia da minha vida, em especial as que ali estavam penduradas, naquele coqueiro, daquela casa, elas juntamente com Ícaro e Lara assistiram tudo e em troca do espetáculo me deixaram o cheiro maravilhoso que em qualquer lugar que eu o sinta me faz vir à tona na mente todo o descrito.